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Textos Críticos

Cabeças, cabeças, cabeças, faces, faces, faces, máscaras, máscaras, máscaras
 
 
Vera Casa Nova

" Nada é humano no universo ininteligível fora dos rostos nus que são as únicas janelas abertas ao caos de aparências estranhas ou hostis. O homem só sai da solidão insuportável, no momento em que o rosto de um de seus semelhantes emerge do vazio de todo o resto. Mas a máscara o devolve a uma solidão mais terrível. (...) Ora a máscara possui ainda a força de aparecer no limiar desse mundo calmo e sossegado do tédio como uma obscura incarnação do caos (...) Pois a máscara é o caos feito carne."[1]

 

Coleção de cabeças esculpidas em cerâmica. Cabeças como máscaras. Elemento religioso presente entre os ex-votos e as esculturas africanas. A cabeça esculpida parece catalogar figuras cujas formas fazem transparecer pela matéria o lado oculto e obscuro das almas. Antropopoética visual, onde o humano é representado num conjunto de multiplicidades possíveis em suas máscaras.

 

Cabeças concebidas como iguais, mas antropomorficamente diferentes. O artista faz laço ontológico entre a dimensão da forma e a do sensível, ou ainda, entre o mundo mítico e o mundo dos homens. Totens esculpidos contemporaneamente.

 

Prova do dilaceramento, essas cabeças nos remetem ao inicio do século 20. Ao acéfalo, o homem decapitado que Georges Bataille e André Masson nos mostraram em 1936, na revista que tem o mesmo nome. (Monstro arcaico encontrado em mitologias e em bestiários.) Não só no imaginário modernista e pós-modernista encontramos a decomposição da figura humana. As metamorfoses da forma humana são exploradas d e diferentes modos. Marco Tulio Resende nos remete à consciência da impossibilidade de fixar figuras humanas ainda hoje, pois o humano continua sob ameaças violentas.

 

As cabeças do artista são profundamente inquietantes. Elas são marcadas pela violência de épocas variadas, Perderam narizes, bocas... desfiguraram-se. São partes dos restos do homem.

É nesse mélange onde os volumes exprimem formas que Marco Tulio Resende repete diferençando e contratando na cerâmica os voti de cera dos ex-votos. Por outro lado, essas cabeças vão além do simbólico. Elas apresentam um a mais de sentido, um surplus de forma. Impressões de violência ou de dor dramaticamente despertada pela presença de pregos, pontas...

 

 

 

[1] BATAILLE. Le masque, p. 403, tradução da autora. 

 

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