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A prolífica obra de Marco Túlio Resende é proveniente de sua obsessão em registrar tudo o que acontece, tudo com o que ele se depara em seu cotidiano como também fragmentos daquilo com que já se deparou e que, no entanto, por resistir a desaparecer, ainda sobrevive incólume na memória; algo que eventualmente será reanimado pelo que está sendo contemplado agora e que a ele irá se juntar, sobrepor-se, alterando-a inevitável e definitivamente.

 

As coisas afinal, não existem a não ser por nós, o que é o mesmo que dizer que vivem comprimidas entre o nosso passado e o nosso futuro. Trata-se de um projeto destinado à incompletude, sentimento que de resto atravessa todas as nossas vidas com sua sucessão de acidentes e atitudes cuja a finalidade não logramos alcançar. Marco Túlio desenha, registra em traços rápidos, executados em linhas grossas, o que lhe vai na lembrança ou mesmo o que agora está passando no meio da procissão que o cotidiano despeja sobre suas retinas. O problema pode ser formulado da seguinte maneira: afinal o que sobra de tudo? Como reter e o que reter das coisas? Como obter das coisas um pouco de quietude, dado que elas não cessam de se movimentar? O apego a tudo reveste-se de um desejo de conhecimento. Desenhar, como se sabe, é reduzir a coisa ao seu esquema, seu nervo: sua estrutura, os ossos que esteiam a construção e a superfície que lhe garante os limites.

 

E porque tudo interessa e porque de tudo só se pode reter fragmentos é que sua obra trata de bocados, resíduos e frações de imagens, resíduos e frações das coisas. Para tanto o artista se vale de uma surpreendente quantidade de instrumentos e processos, posto que para falar de algo tanto vale o que resulta de um gesto quanto a ferrugem que espontaneamente vai aflorando na superfície de pedaço de ferro, parte de algo que não se pode mais identificar mas, que devidamente contextualizado, presta-se a ser carregado de mistério e sentido. Identificar e oferecer utilidade às coisas equivale a salvá-las do esquecimento a que estão condenadas.

 

Nesse sentido, o tempo é uma dimensão inelutável. Nossas experiências vão sendo – mal – acondicionadas até o momento em que toda memória é uma barafunda, em que tudo se mistura e cuja ordenação dá margem, como um dia disse Pedro Nava puxando por Proust, a um mosaico fraturado e desconexo, onde as coisas que outrora incompatíveis no tempo e no espaço comparecem alinhavadas umas às outras, deixando aqui e ali, nos seus interstícios, vastos vazios lacunares. O extraordinário, diz Marco Túlio, é que enfrentamos o agora precariamente armados com a memória. E aquilo que agora vai fugindo, que me escorre por entre os dedos é ainda assediado por lembranças de outras coisas.

 

A nostalgia – afinal, por que não esquecemos de tudo? – se interpõe entre mim e as coisas, o que equivale a dizer que eu mesmo me interponho entre as coisas. Fernando Pessoa não se perguntava sobre quem era aquele que respeitava por seus olhos? Marco Túlio Resende faz pinturas, desenhos, gravuras, objetos, instalações, livros...Tudo interessa, tudo “provém da tentativa de me ver no mundo, de me espelhar e reconhecer através da pegada, do rastro da passagem e sucessão de momentos” O artista comporta-se como um expedicionário cuja ambição é não deixar nada de fora e que para tanto confecciona um diário polimórfico. Uma coleção insuspeita de meios e estratégias dado que do mesmo modo que as coisas são irredutíveis entre si, nenhuma forma pode substituir a outra.

 

 

 

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